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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

Tudo bem, Jabor!

Marco Antônio Moreira

O cinema brasileiro perdeu esta semana um de seus artistas mais questionadores e polêmicos: Arnaldo Jabor. Como apreciador do cinema realizado em nosso país, desde minha adolescência, foi necessário conhecer a obra de Jabor que, desde o final dos anos 1960, teve atenção da crítica cinematográfica pela sua participação no grupo de cineastas do movimento Cinema Novo que tinha como premissa pensar política e esteticamente o país, por meio do cinema. Glauber Rocha liderou este movimento ao lado de outros grandes cineastas e Jabor surgiu na segunda fase deste movimento. O curta “A Opinião Pública” (1967) e “Pindorama” (1970), seu primeiro longa-metragem, sinalizaram potencial de um artista vinculado com seu tempo e com compromisso de questionar o passado e presente de seu país. “Pindorama” (1970) é uma alegoria realizada em um momento de vigilância sobre qualquer questionamento feito por artistas que não aceitavam o governo daquele período, e Jabor conseguiu criar um filme provocador e reflexivo sobre o Brasil.

Repleto de metáforas políticas, “Pindorama” indicou o talento do jovem Jabor que, posteriormente, encontrou na obra de Nelson Rodrigues, “Toda nudez será Castigada” (1973), um meio de extravasar suas inquietações sobre a hipocrisia de um país que, nos anos 1970, apresentava sinais de modernidade, mas com uma sociedade que insistia em manter tradições e costumes ultrapassados. Jabor ganhou o prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim por este filme que fez sucesso no Brasil. “Toda nudez será Castigada” mostra a história de um viúvo conservador que afirma para a família que nunca terá outra mulher, mas apaixona-se por uma prostituta, causando rupturas nas relações familiares.

O filme teve seu lançamento proibido em território nacional pelo órgão de censura da época, mas foi liberado para exibições no circuito brasileiro graças aos prêmios internacionais que conquistou em festivais de cinema. Em 1976, Jabor retornou à obra de Nelson Rodrigues com “O Casamento” e, novamente, provocou polêmica com uma história que revelava a hipocrisia entre os membros da família de um rico industrial da construção civil.

Em 1978, com “Tudo Bem”, provavelmente seu melhor filme, Jabor iniciou o que ele definiu como a “Trilogia do Apartamento” com obras que apresentavam histórias que aconteciam em apartamentos com diversos personagens que, de alguma maneira, apresentavam características da sociedade brasileira. Desse modo, Jabor desenvolveu interpretações sobre o Brasil e suas questões sociais, políticas, religiosas, comportamentais e educacionais evidenciando problemáticas que deveriam ser debatidas pelo cinema.

“Tudo Bem” expõem conflitos de classes sociais, a partir de obras que acontecem no apartamento de uma família classe média carioca que tem que conviver com pobres trabalhadores e seu modo de viver e interpretar suas vidas. Em “Eu te Amo” (1981),  reflexões de amores frustrados e perdidos entre um casal de estranhos que se encontra casualmente os leva a discutir suas vidas, juntos, de maneira clara e honesta expondo, indiretamente, necessidades de novas formas de amar e ser amado em um país repleto de diferenças e desigualdades sociais e humanas. Em 1986, com “Eu sei que vou te Amar”, Jabor realizou um filme de amor imerso em pensamentos sociais, filosóficos, comportamentais e humanos que dividiu a crítica especializada e o público, mas tornou-se um grande sucesso de bilheteria.

Em todos os filmes da “Trilogia do Apartamento”, além de selecionar ótimos atores em “Tudo Bem” (Paulo Gracindo e Fernanda Montenegro), “Eu te Amo” (Sonia Braga e Paulo Cesar Pereio) e “Eu sei que vou te Amar” (Fernanda Torres e Thales Pan Chacon), Jabor conseguiu se inspirar nas suas influências cinematográficas, da Nouvelle Vague (de Jean-Luc Godard e François Truffaut) ao Cinema Novo (Glauber Rocha), e criar filmes inquietos esteticamente evidenciando a criação de um cinema corajoso em abordar temas importantes com escolhas estéticas que merecem análises e debates. A inquietação artística de Jabor, nestes filmes, me lembrou, de certa maneira, as escolhas estéticas do genial Glauber Rocha, amigo de Jabor. Entre diversas razões, a partir de sua obra fílmica, entendo que Jabor como cineasta foi fundamental para o cinema brasileiro provocando pensamentos, por meio de temáticas e estéticas necessárias em um período de importantes mudanças na cinematografia nacional.

Infelizmente, Jabor decidiu abandonar o cinema após o filme “Eu sei que vou te Amar”, por razões pessoais e financeiras. Em 2010, ele retornou com “A Suprema Felicidade”, um belo filme com histórias e personagens parcialmente autobiográficos, segundo o diretor. Em 2019, ele iniciou as filmagens de uma nova produção chamada "Meu Último Desejo" baseada na obra de Rubens Fonseca que teve lançamento adiado devido a pandemia e que deverá ser lançado, em breve.

Arnaldo Jabor como cineasta deixou um legado inspirador com diversas inquietações sobre as realidades de seu país. Corajoso em suas realizações cinematográficas, Jabor merece ser evidenciado e ter gratidão por ter pensado o Brasil de modo diferenciado e polêmico e ter indicado novos e possíveis caminhos para o cinema nacional. Tudo bem, Jabor! Você, agora, é imortal!

Arnaldo Jabor

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