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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

Provocação e propósito: o legado de Glauber Rocha para o Cinema

Marco Antonio Moreira

Mais do que encantamento e prazer, a obra de alguns artistas expõe que seus autores percebem o Cinema como meio de transformação cultural e social. Quando comecei a me interessar mais profundamente pelo cinema, percebi que muitos cineastas tinham deixado grandes colaborações nesse sentido, criando referências artísticas por meio de filmes que ilustram o propósito original da sétima arte. Entre diversos cineastas que chamam atenção nesse aspecto, sem dúvida, Glauber Rocha (1939-1981) foi um dos nomes de maior destaque.

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Conheci a obra de Glauber por meio de alguns filmes exibidos em cineclubes, mas a maioria de sua obras não teve distribuição e exibição nas salas de cinema no Brasil durante muitos anos (alguns filmes foram proibidos pela censura dos anos 1970). Me interessei por ele nas leituras de livros sobre cinema e posteriormente acompanhando seu programa chamado Abertura, exibido na TV Tupi, em 1979. Fiquei fascinado com seu dom de pensar, provocar e estimular debates. É inesquecível o programa em que ele gritava com muita intensidade para que as crianças não assistissem “Superman - O Filme (1979)” porque o filme representava o imperialismo americano na sua opinião.

Neste programa conheci um Glauber atrevido, inconformado e disposto a provocar os telespectadores. Essa maneira de pensar e agir esteve presente em toda sua obra cinematográfica, principalmente após seu primeiro longa-metragem Barravento (1962). Nos anos 1960, como realizador integrante do movimento Cinema Novo, Glauber propôs um cinema esteticamente revolucionário. Filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) marcaram época ao desenvolver temas e estéticas de maneira diferenciada e arrojada, demonstrando as propostas do diretor em vincular o cinema com causas de uma sociedade que precisava ser renovada.

Após receber o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes por O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, em 1969, Glauber deixou o país por questões políticas e realizou filmes em diversos países. Nesse período, dirigiu obras mais experimentais e polêmicas como Cabeças Cortadas (1970) na Espanha, O Leão de Sete Cabeças (1970) na África, Câncer (1972) realizado no Brasil em 1968, mas finalizado na Itália e Claro (1975) realizado na Itália além de outros filmes, documentários e curta metragens. Em 1977, ele dirigiu o polêmico curta Di que foi vencedor Festival de Cannes com o Prêmio do Júri de curta-metragem. O filme é um documentário em curta-metragem elaborado em homenagem ao pintor Di Cavalcanti. Glauber relatou que soube da morte Di Cavalcanti pelo rádio e rapidamente reuniu uma pequena equipe de filmagem para registrar o velório e o enterro do pintor. Mas a abordagem do diretor sobre a morte de Di desagradou a família do pintor que proibiu sua exibição em território nacional.

Em 1980, ele regressa ao Brasil para tentar retomar sua carreira no país e consegue financiamento para uma de suas obras mais revolucionárias: A Idade da Terra. O filme foi inspirado em um poema de Castro Alves e propõe questionamentos sobre questões políticas e culturais do Brasil daquele período. Lembro de assistir esse filme no Cinema 1 e ficar perplexo com sua modernidade estética. Indicado ao Festival de Veneza, A Idade da Terra não foi bem recebido e a reação da maior parte do público e da crítica revoltou Glauber, que se indispôs com imprensa, espectadores e cineastas como Louis Malle.

O cineasta tinha alguns projetos para filmar quando faleceu, em 22 de agosto de 1981. Sua morte provocou intenso interesse de vários espectadores que sabiam da sua obra apenas pelos cineclubes e livros. A distribuidora EMBRAFILME realizou um festival com filmes de sua autoria como meio de homenagear seu trabalho. Neste festival, exibido no Cinema 1, finalmente tive a chance de conhecer a obra de Glauber Rocha e meu interesse pelo seu cinema, desde então, é constante.

Glauber Rocha foi cinéfilo, cineclubista, crítico, cineasta, escritor e pensador da arte cinematográfica. Suas reflexões são notáveis demonstrações de seu inconformismo como artista e, infelizmente, ele foi discriminado diversas vezes pela sua lucidez e postura revolucionária sobre cinema, arte e política brasileira. A lembrança de que ele faleceu há 40 anos pode ser um estímulo à curiosidade de muitos que não conhecem seu talento. Observar a obra de Glauber Rocha é fundamental para perceber a força do cinema brasileiro por meio de um artista único e que merece ser mais (re) conhecido.

Para conhecer a obra de Glauber Rocha, indico ao leitor o documentário “Glauber o Filme, Labirinto do Brasil” (2003) de Sílvio Tendler (que inclui entrevistas de Glauber e depoimentos de amigos, colegas de trabalho e familiares) e os livros “O Século do Cinema: Glauber Rocha” (2006) com artigos escritos por Glauber (prefácio de Ismail Xavier) e “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro” (1963) que nos mostra o trabalho de Glauber como crítico de cinema.

Inevitavelmente, ao lembrar de Glauber, me vêm à mente lembranças de muitas conversas sobre seu trabalho com os amigos Vicente Cecim e Jose Otávio Pinto, que sempre evidenciaram o inconformismo e inquietação deste cineasta com a natureza e os rumos do Cinema. Entendo que o legado de Glauber Rocha é eterno e certamente é imortal como ele. Resta aos amantes do Cinema valorizar e debater seus pensamentos e filmes.

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