LINOMAR BAHIA

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Jornalista e radialista profissional. Exerceu as funções de repórter, redator e editor de jornais e revistas, locutor, apresentador e diretor de emissoras de rádio e televisão. Articulista dominical de O Liberal há mais de 10 anos e redator de memoriais, pronunciamentos e textos literários. | linomarbahiajor@gmail.com

Uma questão de fé e fervor

Linomar Bahia

Poucas coisas, ou, talvez, nada, haja sido tão amargo ao paraenses e devotos de outras plagas do que o cancelamento das festividades Nazarenas e da procissão do Círio por receio de uma contaminação generalizada pelo covid-19. Uma celebração cultivada e ampliada por sucessivas gerações, em mais de dois séculos, quando a profunda religiosidade do povo se preparava para a 228º versão da famosa e maior romaria religiosa do mundo. Quantos têm relação de qualquer das tantas naturezas que envolvem o evento de tamanha magnitude, no simbolismo e nas multifaces evangélicas e profanas, estão se perguntando “o que é a fé?”. Por consequência, como deve ser considerado o "fervor religioso" nessa circunstância.

Segundo dicionaristas pensadores, e a voz dos Hebreus, “fé, é acreditar em coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem, independentemente daquilo que vemos, ou ouvimos". Na Bíblia, a palavra "fé" transmite a ideia de confiança, fidúcia, firme persuasão. ... No mais, os escritores do Novo Testamento igualam fé em Deus com crença em Jesus. Também hão de estar questionando crenças contidas em expressões como a de que a “fé move montanhas”, através da qual o apóstolo Mateus teria sintetizado a convicção de que “não há nada impossível para aquele cuja confiança está firmada verdadeiramente em Deus. Segundo ele, Jesus falou que, “se alguém tiver fé genuína, poderá transportar os montes de lugar”.

O cancelamento da secular manifestação que, embora centrada no cristianismo católico, apostólico e romano, recepcionando manifestações de respeito e solidariedade de segmentos evangélicos, coloca a situação, criada pelos receios, entre os dogmas da fé e o fervor com que os devotos de Nossa Senhora de Nazaré e o catolicismo paraense reverenciam a Santa Padroeira. Questiona a própria decisão do clero e dos dirigentes, em que pesem as justificativas epidemiológicas invocadas, utilizando a velocidade e eficiência das redes sociais para discordar do cancelamento, alguns até tecendo considerações nada lisonjeiras sobre o receio, não raro classificado como covardia e falta de confiança no poder milagroso da Virgem.

Realizado, desde 1793, no segundo domingo de outubro, reúne crescente número de romeiros, calculado em mais de dois milhões nos últimos anos, percorrendo trajeto que chega a durar cerca seis horas, entre a Catedral da Sé e a Praça do Santuário, devoção religiosa herdada dos colonizadores portugueses, que celebram Nazaré em 8 de setembro. No início, era uma romaria vespertina e noturna, razão do uso de velas, mas, a partir de 1854, para evitar chuvas, costumeiramente vespertinas, a procissão passou a ser realizada pela manhã. A partir de 2004 passou a integrar a galeria do patrimônio cultural imaterial pelo Iphan e, em 2013, o Círio ganhou referência mundial como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

Nas últimas décadas, foi acrescida às celebrações uma dúzia de procissões específicas, passando a ser objeto de inúmeras ações mercantilizadas, entre programações promovidas pelos dirigentes das festividades e desenvolvidas por inúmeros setores da economia local, produtores de peças e mercadores de peças e eventos relacionados às festividades. Substituíram as práticas originais, nas quais o percurso do mesmo trajeto atual era em ruas de piçarra e a imagem transportada em carro de bom com tração humana, origem da corda dos tempos modernos, que também eliminou o tradicional arraial, onde barracas de comidas típicas e parques de diversões emprestavam a imagem e o caráter de quermesse típicos de "arraial".

Pelo andar dos protestos inconformados, e sejam atendidas as convocações para um Círio informal, Belém e o mundo poderão ter uma "volta ao passado". No vindouro segundo de outubro, estarão sendo reeditados os tempos da simplicidade e humildade da devoção dos paraenses à Virgem de Nazaré, diferentes dos primórdios somente na urbanização do percurso e na ausência dos acompanhamentos e homenagens, nem sempre fiéis. Mas, certamente, não faltarão as ceras e réplicas utilizadas no pagamento de promessas, os joelhos no chão por graças alcançadas, como não faltará a mesa especial de todos os lares, milhares movidos pelo fervor da fé que move montanhas e, como canta Gilberto Gil, "não costuma falhar".

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