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Exercitando compreender meus pares

Lena Mouzinho

Era uma vez um jovem casal e seu filho Lucas de cinco anos. E nasceu João, muito sonhado e querido por todos.

Enquanto João crescia a família começou a perceber sinais de que sua interação com o mundo não estava fácil. A criança aparentava um estado semelhante a apatia, não emitia sons e parecia ter rejeição ao contato físico com outros.

Por volta dos quatro anos de idade tais sinais foram diagnosticados como característicos do transtorno do espectro do autismo.

Muitas inquietações angustiadas tendem a surgir em pais de uma criança num instante como esse. Pensamentos como: “O que eu fiz de errado pra que isso acontecesse?” associados a sentimento de culpa; “Por que conosco?” associados a sentimento de revolta; “O que será de nosso filho numa sociedade preconceituosa que não respeita quem ousa expressar suas diferenças?” associados a medo.  

Perguntas gigantes, como essas, ecoavam sem respostas nos pensamentos e nas tentativas de conversas, enquanto a história familiar seguia seu fluxo.

Enquanto os adultos lidavam com amor e dor, Lucas, já com nove anos, parecia estar tranqüilo. Em meio a suas atividades acercava-se do irmão pequeno espontaneamente, buscando comunicação.

Um dia chegaram juntos à sua primeira sessão de Terapia de Família. O mote do pequeno grupo? Como criar circunstâncias favoráveis para o desenvolvimento relacional de João?

Durante a conversa uma pergunta brotou: que mudanças positivas aconteceram na vida de cada um de vocês a partir da chegada de João? O que aprenderam de bom na convivência com ele?

O silêncio de alguns segundos foi quebrado por Lucas. Ele começou a falar reflexivo:

“Eu sempre quis ter um irmãozinho com quem brincar. Queria emprestar meus brinquedos, dormir no mesmo quarto... Eu via meus colegas com os irmãos e queria ter também. Mesmo que a gente brigasse em alguma hora. Aí o João chegou e eu fiquei muito feliz. Mamãe conversou comigo pra eu não ficar com ciúmes e me pediu para ajudar a cuidar dele. Eu estava muito feliz... Ele foi crescendo e vi que não olhava pra mim. Não ria das besteiras que eu fazia pra ele se divertir. Queria escutar aquela risada de outros bebês e não saia nenhum som. Parecia que não me entendia nunca...e eu queria muito que ele me entendesse...Comecei a ensinar ele a falar mas ele não aprendia...Pensava todos os dias em novas estratégias para fazer ele me ver. Como num jogo... Às vezes ele chorava muito e gritava e nessas horas ninguém sabia o que fazer. Meu pai e minha mãe ficavam nervosos e brigavam. E eu ficava nervoso também mas depois eu só pensava...Um dia num filme de extraterrestres comecei a pensar que ele era um. E que não estava conseguindo se acostumar a viver na Terra porque tudo aqui era muito diferente do planeta dele. Entendi que não era mais importante eu conseguir ensinar minha língua pra ele, mas que eu podia aprender a entender o que ele queria dizer quando chorava e gritava... Extraterrestres se comunicam telepaticamente, em silêncio e eu podia aprender a fazer isso, tentando adivinhar o que ele sentia. Foi assim que eu aprendi a conversar com ele. Adivinho o que ele precisa e pergunto na minha língua, que ele já entende mais. No começo era muito difícil e eu errava em todas as tentativas. Mas depois comecei a entender melhor e hoje quando alguém quer saber o que ele quer e está difícil, perguntam pra mim. E eu explico para as pessoas para que entendam o João também. Quando ele é entendido, se acalma”.

Os pais, atentos, emocionados, confirmavam acenando com a cabeça.

E Lucas continuou: “Depois eu descobri que outras pessoas também precisavam ser entendidas. Hoje eu entendo mais meu pai, minha mãe,  gente da escola e até animais. Gosto de treinar entender até os personagens dos filmes”.

Enquanto o menino expressava a sabedoria humana que existe adormecida em todas as pessoas, sobre o como investia no desenvolvimento de sua capacidade empática, nós adultos  ao seu redor, chorávamos de encantamento.

É assim.  Sem a genuína disposição e atenção para compreender o que se passa “dentro” do outro, a conexão humana torna-se impossível.

Compreensão é necessidade humana que nos assemelha. Desejamos ardentemente ser compreendidos. Os outros também.

Há pessoas engajadas em verdadeiras guerras cotidianas com outras, buscando serem compreendidas.

Podemos escolher e assumir a responsabilidade por dar o primeiro passo e construir uma ponte entre nós.

É possível que saciada em sua “fome” de compreensão, a pessoa possa finalmente escutar também...se para ela for importante nosso laço.

Quero muito conectar-me com alguém?

Que tal exercitar compreendê-la? 

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