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Sacramenta: história de luta pela moradia

Canais São Joaquim, Galo e Pirajá foram o começo do bairro. Morador se dedica ao registro da história da Sacramenta e relata que, inicialmente, foi chamado de bairro da Macaxeira.

Victor Furtado
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Historicamente, o bairro da Sacramenta se formou na luta por moradia. No início do século XX, habitação para as pessoas pobres só podia ser encontrada em terrenos mais baixos e alagadiços. Foi uma opção entre os bairros do Marco, do Telégrafo, Marambaia, Val de Cans e da Pedreira. O entorno de canais como o São Joaquim, Galo e Pirajá foram as áreas escolhidas para as primeiras palafitas instaladas. Onde foi possível fazer aterros, as pessoas montaram barracos. Mas não era suficiente apenas chegar e montar a casa.

Há três possíveis origens para o nome do bairro da Sacramenta. Duas são levantadas pelo professor, historiador e escritor Guilherme Pimenta, um morador devotado a registrar a história do bairro. Ele é autor do livro "Sacramenta, 90 anos de história, 1922 a 2012", um trabalho de levantamento documental e de relatos orais de moradores. Já pensa num trabalho dos 100 anos do bairro, que serão completados em 2022.

Uma das hipóteses de Guilherme Pimenta é que o primeiro morador do bairro se chamava João Sacramento. Outra é que a área do bairro era usada como cemitério de animais que não serviam mais para o transporte. Quando os animais morriam, eram "sacramentados" naquele terreno.

A terceira hipótese é de que havia, próximo à baía do Guajará, a "Rampa da Sacramenta", segundo o escritor Ernesto Cruz.

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Durante a formação inicial do bairro, a área da Sacramenta era uma zona rural. Era desprovida de políticas públicas e só havia pequenas roças. A primeira foi de João Sacramento - perto do Aero Clube -, que saiu do bairro da Marambaia para viver uma história de amor. Por ter muitas plantações de macaxeira, o bairro, por um tempo, foi chamado de "bairro da macaxeira".

image Canal São Joaquim foi uma das primeiras áreas onde a ocupação do bairro da Sacramenta começou. Em meados do século XX, somente áreas alagadas e baixas podiam ser ocupadas por pessoas mais pobres (Fábio Costa / Redação Integrada de O Liberal)

O matagal era fonte de frutas, caça e lazer nos igarapés. Alguns poucos terrenos estavam abandonados, como terrenos da Aeronáutica e a área da família Ferro Costa, considerado um clã de latifundiários urbanos que se dizia dono da terra que compreendia um largo espaço entre as avenidas Senador Lemos e Pedro Miranda. Um dos primeiros núcleos de habitação era a área conhecida como Elo Perdido, que é perto de onde hoje fica o clube Casota. Assim, começou um processo de ocupação.

Uma das coisas que o livro de Guilherme não revela - ele mesmo lamenta até hoje não ter alguma explicação mais sólida - sobre o porquê do símbolo do galo. Há um canal com esse nome. E no passado, na praça do Jaú, havia um monumento de um galo. Com as reformas ao longo do tempo, o símbolo foi removido. Ele só acredita que seja por conta de criações de galinha de quando João Sacramento chegou ao bairro.

 

Organização social por políticas públicas

A área Ferro Costa foi berço do Movimento pela Urbanização Popular (MUP), na década de 1980, acolhendo cerca de 5 mil famílias que ocupavam o terreno. No grupo havia muitos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Não foi fácil. A ditadura militar ainda estava com plena força e combatendo uma "ameaça comunista" que nunca existiu (mas da qual se fala até hoje). A ameaça era essa mesmo: a luta por direitos.

O MUP, liderado por nomes como Doninha, seu João Trindade, dona Lucinha, dona Maria, dona Rosa, Gilberto Saldanha, Regina Ferreira, seu Benedito, Jorge Cabeção, seu Aluísio, Pedro Peloso e Varela, entre alguns outros, tinha como objetivo melhorar as condições de vida no bairro. E promover moradia a quem ainda não tinha casa. A limpeza dos canais, à época, era feita por mutirões de membros do MUP. 

Antes do movimento, em 1953, a Ordem dos Padres da Santa Cruz fundou a paróquia de São Sebastião, apesar de que a atividade religiosa já era registrada desde a década de 1940. É um dos principais símbolos da Sacramenta. Os padres da ordem ampararam a luta por moradia na área e melhores condições de vida para toda a comunidade que frequentava a igreja. Padres e freiras foram os primeiros a prestar algum atendimento de saúde e educação para os moradores carentes do bairro.

Grande parte da organização dos movimentos sociais do bairro começou com a orientação dos religiosos da paróquia de São Sebastião. Os padres João Antônio, Guilherme, Tiago e João Maria são alguns dos nomes mais lembrados até hoje.

A educação foi fundamental para manter os moradores da Sacramenta esclarecidos e organizados. Professores davam aulas, como relata Guilherme Pimenta, à sombra de árvores. A primeira escola do bairro, feita com enchimento de barro, chamava-se Santa Maria de Belém. Hoje é o mesmo espaço onde fica o mercado, já quase desativado. "É um elefante branco, mas já foi um point da população", critica Guilherme Pimenta. A escola Instituto Catarina Labouré é uma homenagem a uma freira italiana, uma das professoras mais dedicadas desse momento tão precário e cheio de esperança.

image Instituto Catarina Labouré é homenagem a uma freira italiana dedicada à educação das crianças, jovens e adultos quando a Sacramenta nem escola tinha (Fábio Costa / Redação Integrada de O Liberal)

Parte fundamental desse processo de educação transformadora veio com a ordem dos padres salesianos, que formaram social, profissional e espiritualmente muitos moradores da Sacramenta. Hoje são mais de 44 mil habitantes no bairro.

 

Bairro precisa se modernizar, ter mais instituições de educação e emprego

Para Guilherme Pimenta, nascido e criado há 64 anos na Sacramenta, o bairro segue carente de políticas públicas e precisa avançar nesse sentido. A saúde só melhorou de alguma forma por conta a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Mas outros setores precisam de evolução. E destaca que a segurança pública só vai melhorar quando emprego, assistência social e educação acompanharem.

image Mercado da Sacramenta — numa existência agonizante — ocupou o espaço que antes era a escola Santa Maria de Belém, a primeira do bairro e que foi foi erguida com enchimento de barro. (Fábio Costa / Redação Integrada de O Liberal)

"Só tínhamos uma faculdade, que era a Unama, mas fechou. Como vamos dar um norte ou esperança para os jovens? Precisamos de trabalho social nas famílias. Precisamos de um comércio mais forte e melhor, que gere emprego e atenda às necessidades de consumo do bairro, que é pobre. Precisamos muitas vezes sair do bairro para encontrar serviços, como bancos, e fazer compras. Precisamos de cursos e qualificação para os jovens", diz o professor.

Guilherme lembra que muitos jovens em situação carente foram atendidos por um tradicional clube esportivo do bairro, o Sacramenta Esporte Clube, entre as décadas de 1950 e 1960. O time até participou de campeonatos municipais. O futebol, além de outros esportes praticados, resultaram em atletas reconhecidos no cenário local. A sede original do clube se perdeu e virou uma Extrafarma.

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