Problemas de memória e concentração estão entre as consequências da covid-19

Estudo inédito no mundo mostra que a recuperação física pós-covid-19 nem sempre implica na recuperação cognitiva

João Thiago Dias

Pacientes que tiveram covid-19 podem sofrer disfunções cognitivas. Dentre elas: dificuldade de concentração ou atenção; perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas; problemas com a compreensão ou entendimento; dificuldades com o julgamento e raciocínio; habilidades prejudicadas; problemas na execução de várias tarefas; mudanças comportamentais e emocionais; além de confusão.

É o que mostra o estudo "O uso do jogo digital MentalPlus para avaliação e reabilitação da função cognitiva após remissão dos sintomas da covid-19", inédito no mundo, realizado pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo.

Com o jogo digital MentalPlus, criado em 2010, foram avaliadas pessoas que tiveram covid-19 em vários estágios (incluindo casos leves e assintomáticos), idades e classes econômicas. Segundo a neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, à frente da pesquisa, os resultados evidenciam que a recuperação física nem sempre implica na recuperação cognitiva.

“Isso deixa clara a importância de se incluir na avaliação clínica dos pacientes pós-covid-19 de qualquer gravidade sintomas de problemas cognitivos como sonolência diurna excessiva, fadiga, torpor e lapsos de memória, para que, com o diagnóstico precoce, possa haver uma rápida intervenção terapêutica”, alertou

80% do pacientes apresentaram disfunções cognitivas


A pesquisa começou em março de 2020 e, hoje, está na segunda fase, com 890 pacientes avaliados. Segundo os resultados parciais, em 80% deles, o novo coronavírus ocasionou alguma das disfunções cognitivas citadas. "A única tristeza é que a terceira fase da pesquisa provavelmente não acontecerá por falta de recursos financeiros", lamentou a pesquisadora, ao Grupo Liberal.

Um primeiro artigo com os resultados parciais já foi publicado no periódico The International Journal of Psychophysiology. Ainda segundo Lívia Stocco, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deve adotar a metodologia como padrão ouro para diagnóstico e reabilitação da disfunção cognitiva pós-covid.

"Estão aguardando, agora, a segunda parte do MentalPlus como instrumento reabilitador para a covid-19. Neste artigo, o MentalPlus só mostra sua validade para a avaliação das funções cognitivas prejudicadas pela covid-19", explicou.

Em Belém, jovem relata rotina com memória e concentração comprometidas

 

As dificuldades de lembrança e de concentração depois do quadro de covid-19 estão presentes na rotina da arquiteta hospitalar Mariana Carvalho (25), de Belém. Ela ficou acometida pela doença entre o fim de novembro e o início de dezembro e, até hoje, sente essas manifestações. "Qualquer coisa, me distraio e esqueço. Acontece muito de querer lembrar alguma palavra que sei que sei, mas não vem à mente. Antes da covid-19, não sentia isso. Virou frequente, mas está melhorando de forma gradativa".

Os prejuízos foram sentidos tanto em casa como no trabalho. "Já ocorreu de eu sair de casa com a certeza que estava com o celular na bolsa, mas, no meio do caminho, me toquei que tinha deixado em casa. Às vezes, estou lendo e não consigo focar. Até no trabalho, aconteceu de querer lembrar o nome de um produto ou alguma especificação que eu conheço, mas não consigo", relatou.

"Qualquer coisa, me distraio e esqueço. Acontece muito de querer lembrar alguma palavra que sei que sei, mas não vem à mente. Antes da covid-19, não sentia isso. Virou frequente, mas está melhorando de forma gradativa", diz Mariana Carvalho

image Mariana: lapsos são sentidos na rotina diária, mas cuidados têm ajudado (Ivan Duarte / O Liberal)

Dificuldade de lembrar de nomes


De acordo com o neurologista Antônio de Matos, da capital paraense, casos leves a moderados da doença podem provocar essas consequências. "Cerca de 80% dos pacientes que tiveram covid-19 apresentam alterações cognitivas, como alteração na memória, na atenção, em cálculo ou na nomeação. É frequente a pessoa ter dificuldade de lembrar nomes. Ela sabe a serventia de um lápis, por exemplo, mas não consegue lembrar a palavra lápis".

Ele ressaltou que, com o passar do tempo, essas manifestações tendem a melhorar, por isso não podem ser chamadas de sequelas, pois não tendem a ser definitivas. O especialista também observou que essas alterações são mais frequentes em idosos. "Que têm reserva cognitiva [neurônios dedicados à cognição] menor. Eles têm mais chance, seja pela covid-19 ou por qualquer outro quadro infeccioso".

Os sinais de alerta surgem diante de alterações na qualidade de vida. Nesse caso, a orientação é procurar um neurologista. "Quando não consegue mais realizar tarefas que conseguia ou dificuldade em executar tarefas que eram normais no trabalho".

 "Cerca de 80% dos pacientes que tiveram covid-19 apresentam alterações cognitivas, como alteração na memória, na atenção, em cálculo ou na nomeação. É frequente a pessoa ter dificuldade de lembrar nomes. Ela sabe a serventia de um lápis, por exemplo, mas não consegue lembrar a palavra lápis", alerta o neurologista Antônio de Matos

image Antônio de Matos: problemas no pós-covid são muito comuns (Ivan Duarte / O Liberal)

Cuidados


O especialista ainda listou alguns cuidados essenciais diante dessas manifestações: higiene do sono, com horário regular para dormir e para acordar, descansado em ambiente calmo; evitar uso de drogas, como o álcool, por exemplo; alimentação saudável com proteínas, verduras, saladas e carboidratos; prática de exercícios físicos; cuidado com as doenças crônicas, como obesidade mórbida, pressão alta e colesterol alto; e reabilitação cognitiva.

"Na reabilitação cognitiva tem situações em que o cérebro é utilizado para treinar domínios de cognição, como quando os idosos tentam fazer palavras cruzadas ou jogar xadrez. É feita com terapeuta ocupacional".

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