Negros na Amazônia lutam por mais reconhecimento e visibilidade

Dia da Consciência Negra joga luz nos grupos étnicos que misturam ascendências indígenas e negras no Pará

Eduardo Laviano
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Comemorado em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra estimula diversas reflexões sobre a história e a cultura das populações afrodescendentes, mas, uma específica tem ganhado força no Pará nos últimos anos: a do olhar sobre os negros na Amazônia, também chamados de afroamazônidas. O termo tem sido cada vez mais usado pelo movimento negro no estado para garantir a visibilidade dos grupos étnicos que moram na região e os que possuem tanto ancestralidade indígena quanto negra. O professor Aiala Colares é coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade do Estado do Pará e avalia que o resto do Brasil ainda não acordou para a existência dessas pessoas. "A região amazônica possui uma diversidade imensa, com um passado afroindígena, já que há uma grande população indígena e há a formação histórica de várias comunidades quilombolas na região. Nem precisamos ir para o interior, pois isso é notável nas periferias de Belém", avalia ele.

O fato de grande parte do país desconhecer o conceito é um fator que motiva Colares a tratar do tema sempre, pois, segundo ele, a luta antirracista no Pará envolve obrigatoriamente o conhecimento sobre a realidade dos afroamazônidas. O professor acredita que o primeiro passo é quebrar os estereótipos. "É uma crítica construtiva às interpretações sobre a região amazônica. O imaginário nacional sobre nós é direcionado para a população indígena. Nós, pesquisadores negros e negras, temos cada vez mais a responsabilidade de apresentar ao resto do Brasil uma Amazônia a partir dos nossos olhos, incluindo o conceito de afroamazônida", diz. Os afroamazônidas possuem especificidades que muitas vezes não são compreendidas pelo resto do país, como os quilombos da região estarem encrustados dentro da floresta, as comunidades ribeirinhas, os conflitos ambientais e até mesmo a dificuldade maior no acesso à serviços básicos de saúde, por exemplo.

Basta passear por Belém com um olhar mais atento para notar a mistura entre as duas etnias, conta Aiala. "O quilombo possui uma relação muito forte com os bairros da periferia de Belém, então é natural que muitos elementos da nossa cultura urbana evoquem conceitos da ancestralidade amazônida entrelaçada com a cultura do povo negro do Brasil, que pode ser vista nos traços dos rostos de cada um, nos nomes das ruas, na música", avalia. Ao mesmo tempo, ele conta que ser negro e amazônida é um fardo duplo, o que também pode ser notado com facilidade na capital paraense. "A violência urbana, por exemplo, está muito relacionada a uma juventude negra invisibilizada, abandonada, que de um lado é assassinada e do outro é encarcerada. Ser negro no Brasil é uma dificuldade imensa, mas ser negro na Amazônia brasileira é uma dificuldade ainda maior", afirma. 

Apresentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o princípio da autodeterminação dos povos garante que todo povo tem o direito de escolher como será legitimado e reconhecido. Ainda assim, existe uma dificuldade grande na Amazônia na hora de se identificar negro ou indígena, seja na hora de se inscrever em um processo seletivo ou de ingressar em movimentos sociais. "É um problema que nós negros da Amazônia e o movimento indígena precisamos sentar para resolver, pois a formação histórica da nossa região emergiu de diversos elementos característicos da cultura que precisam de um mapeamento, para que todos possam se identificar da melhor forma", observa Aiala. Ele credita ao termo "pardo", utilizado no censo brasileiro desde 1872, parte da responsabilidade pela invisibilização dos afroamazônidas. "Quem se diz pardo em Belém é na verdade afroindígena. Essa mistura ocorreu desde o período colonial porque ambos os grupos precisavam resistir a opressão juntos. A aproximação entre os dois grupos étnicos não é olhada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística porque estamos na periferia do país", lamenta. 

Enquanto pesquisador, ele reconhece que o debate só ganhará a amplitude necessária quando extrapolar a academia e virar assunto dentro de casa. O Aiala pai concorda com o Aiala pesquisador. "Minha filha se considerava parda, alisava o cabelo. A mistura dos tons de pele indígenas e negros produz isso. Uma vez, vi que ela marcou 'parda' na matrícula do colégio. Então levei ela ao quilombo e hoje ela sempre marca 'negra', usa trança e se identifica com a cultura", conta ele, imaginando se um dia o termo afroindígena ou afroamazônida estará nos formulários das escolas. Apesar dos obstáculos, Aiala é otimista. "Hoje vejo que a internet é uma ferramenta poderosa para disseminar o termo, que pessoas se descrevem como afroamazônidas nas redes. É o caminho", diz.

Internet é aliada na luta antirracista

A hashtag #VidasNegrasImportam (em inglês, #BlackLivesMatter) tomou a internet quando George Floyd foi assassinado por policiais em Minneapolis, nos Estados Unidos. De hashtag virou uma onda de protestos, nome de praça na capital Washington e depois se converteu em um movimento internacional contra a violência policial direcionada aos negros. Desde então, muito se discute sobre o papel das redes sociais na luta antirracista. A professora Antônia Brioso, que coordena o projeto Cartografia da Cultura Afro-brasileira e Indígena, da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará, e, assim como Aiala, vê na web uma grande oportunidade para a visibilização afroamazônida. "O primeiro passo de uma luta antirracista é a denúncia e a internet se tornou hoje o principal espaço de denúncia, pois é democrática, instantânea. Vimos nos Estados Unidos. Estamos fazendo isso no Brasil. E temos que fazer isso cada vez mais na Amazônia", aconselha. 

Ela explica que as conquistas iniciadas na internet causam impactos importantes vida offline. "O segundo passo é justamente a luta por conquistas da cidadania, como no campo político Temos representantes negros e negros recém eleitos em Belém e no Brasil todo com a força da internet", comemora ela, ao falar das eleições municipais ocorridas no dia 15 de novembro. Para Antônia, a internet foi o caminho que nós encontramos para socializar conhecimentos e denunciar o racismo durante a pandemia. "Mas antes disso já estávamos lá. Não é que os casos aumentaram, mas hoje em dia o racismo é visto com lupa, pois estamos compartilhando nas redes sociais. Enquanto afroamazônidas, negros e quilombolas na Amazônia, precisamos fortalecer nossa presença nas redes. A moçada jovem já entende isso e essa é a minha esperança", conclui. 

Pará é o estado que mais reconhece comunidades quilombolas no Brasil

Com 53 comunidades reconhecidas e tituladas, o Pará avançou muito nos últimos anos quando o quesito é o reconhecimento de populações quilombolas. Além disso, o Pará também possui o maior quilombo titulado do Brasil, o Cachoeira Porteira, com 225 mil hectares de terra, 145 famílias e cerca de mil pessoas. Tudo fruto da resistência de populações quilombolas na amazônia, que são uma parte importante da história afroamazônida, como explica a militante quilombola Micele Silva. "É uma luta árdua e muito específica por conta de ser travada na Amazônia. Existe um olhar externo que diz que somos um local atrasado, pouco habitado e isso implica na maneira como os povos quilombolas são vistos. Se já existe uma imensa dificuldade por conta da nossa pele, o fato de estar na Amazônia é um fator a mais, que potencializa o racismo contra nossos povos", compreende ela, atualmente estudando História na Universidade Federal do Pará. 

Silva é do quilombo Igarapé-Preto, na fronteira entre os municípios de Oeiras do Pará e Baião. Ela gosta de sempre lembrar que "preto não é tudo igual" e conta que, apesar das dificuldades acentuadas, os quilombos no Pará nunca pararam de se organizar. "Uma questão importante da nossa história é que o processo de ingresso de pessoas africanas escravizadas na Amazônia ocorre muito depois que no Rio de Janeiro, por exemplo, e isso também influencia na forma como nos organizamos e somos reconhecidos. Mas estamos lutando todos os dias e sempre nos reinventando", afirma.

 

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