Janeiro Branco: trabalhadores precisam ficar atentos a transtornos mentais

Duas profissões muito recentes — motoristas e entregadores por aplicativos — já figuram na lista de profissionais com riscos de desenvolver ansiedade, depressão ou burnout. Saiba quais outras profissões precisam ficar atentas

Victor Furtado
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Qualquer pessoa, por uma série de elementos e condições combinados, pode desenvolver doenças como ansiedade e depressão. Só que quem tem uma rotina de trabalho, em determinadas profissões — ou mesmo está desempregado —, pode estar mais vulnerável. Não apenas a esses dois transtornos, mas a um terceiro, chamado de síndrome de burnout. O Janeiro Branco é um mês voltado a cuidados e informação sobre saúde mental. E pode ser um bom momento para muitos trabalhadores do Brasil ficarem atentos a sintomas e sinais de risco.

Periodicamente, estudos são publicados, em todo o mundo, para alertar profissionais, de diversas áreas, sobre riscos à saúde mental. Em comum, a maioria aponta que policiais, professores, jornalistas, médicos, enfermeiros, estudantes, motoristas e entregadores de aplicativos — duas profissões muito recentes no Brasil —, bombeiros, socorristas de ambulância, operadores de telemarketing (tente ser gentil com eles), rodoviários do transporte público, cirurgiões, dançarinos e músicos.

Essas profissões são apontadas em levantamentos da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR, ou Associação Internacional de Gerenciamento de Estresse, no ano passado); pela revista Exame (2016); e apontados pelo psicólogo Alessandro Bacchini, professor doutor e coordenador do curso de Psicologia da Unama.

Apesar de muito comentadas e discutidas, depressão, ansiedade, burnout e outras doenças da mente ainda figuram no senso comum como "frescura", "preguiça", "problemas religiosos", "falta de sexo" ou "loucura". E mais uma série de outros desrespeitos mal fundamentados e desinformados. Tudo só piora as condições de quem sofre com algum desses males.

Bacchini diz que muito se fala sobre depressão sem rigor teórico. Na medicina, a depressão é tratada como doença relacionada a termos biológicos e sociais. A característica central diz respeito à noção de anedonia, uma apatia ou sensação de inapetência diante da vida, explica. Para a psicanálise, a depressão é analisada como um sintoma, pois a depressividade manifesta é algo que surge no lugar de uma satisfação que não ganha via de escoamento.

"De um modo geral, não existe 'a depressão', mas depressões. Cada sujeito sofre à sua maneira e, portanto, foge a uma classificação universal. Produzimos depressões, cada um a seu modo, para lidarmos com circunstâncias da vida em que nossas faltas se apresentam imperativas. O mesmo mecanismo pode ser pensado em relação ao termo 'ansiedade' –, uma doença para a medicina e, por outro lado, uma manifestação da vida psíquica para a psicanálise", diz o professor.

"Substituímos cada vez mais a realização de desejos — como uma conquista de um projeto de vida — pela mera satisfação pulsional ligada ao excessivo consumo. Neste ínterim, chegamos a realizar um esforço sobre-humano para que possamos nos inserir enquanto indivíduos partícipes da sociedade de consumo. Aqui entra o desenvolvimento de teorias patológicas como Burnout, definido por Herbert J. Freudenberger, grosso modo, como um esgotamento mental e físico ligados diretamente ao trabalho", detalha o psicólogo.

Por cargas horárias extensas e condições de trabalho pouco favoráveis, o Brasil figura entre os oito países onde mais há trabalhadores com sintomas da síndrome de burnout. O ranking é feito pela Isma-BR.

Cerca de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com burnout. Mas pode ocorrer com qualquer um, independente da profissão. Não é porque o nome parece mais diferenciado que um pedreiro, uma diarista ou motorista de aplicativos não possam sofrer desse mal.

Essa proporção brasileira de trabalhadores com síndrome de burnout é semelhante à do Reino Unido, aponta a Isma-BR. No ranking de oito países, o Brasil supera a China e os Estados Unidos. Quem lidera o ranking, isoladamente, é o Japão, onde 70% da população apresentam os sintomas. Os japoneses sempre tiveram uma cultura de trabalho muito rígida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que os trabalhadores regulares estão entre os que mais adoecem por ansiedade e estresse crônico.

O suicídio é hoje, também aponta a OMS, a segunda causa de morte entre jovens de 10 a 24 anos. Suicídio e violência sob a forma de assassinatos de massa são estreitamente associados às condições da hipercompetição, subsalários e exclusão promovidos pelo ethos neoliberal, analisa Bacchini. Ele cita Franco Berardi, filósofo e professor da universidade de Bolonha, que atenta para os fluxos informativos acelerados das novas tecnologias, com influência sobre a sensibilidade e os fluxos cognitivos.

"De fato, menos importa a profissão. Mas sim a precarização dos empregos, a instabilidade financeira e empregatícia e o desenvolvimento contínuo de um contexto de crise como motor de produtividade/consumismo. E, assim, adoece-se de tanta dívida: desde financeira a afetiva. Devemos realmente ser mais efetivos e menos afetivos?", conclui o Bacchini, lembrando que o professor Franco Berardi fala em precariedade existencial, provocada pelos meios de produção neoliberais.

Cultura de trabalho faz com que profissionais não procurem ajuda

Cansado, qualquer trabalhador pode se sentir. O problema está em nunca sair desse estado e prejudicar a vida pessoal e também profissional. A saúde global do cidadão é prejudicada. Quando isso ocorre, é hora de procurar ajuda, como orienta o psicólogo Márcio Barra, professor do curso de Psicologia da Unama. O diagnóstico pode exigir várias avaliações, com psicólogos e/ou psiquiatras. E esse cansaço pode estar associado a depressão, ansiedade, burnout ou outros transtornos da mente.

O povo brasileiro, diz o professor, tem uma cultura de trabalho e valorização do trabalho como um conceito imaterial inestimável. Ninguém gosta da ideia de dizer que está insatisfeito com o trabalho. Até porque sempre haverá alguém para dizer "Valoriza, porque você está empregado. Muita gente está precisando e você tem".

Barra explica que qualquer pessoa está sujeita a desenvolver uma doença da mente. Não é algo que ocorre de forma repentina. Há um elemento, um fator ou uma história que desencadeia a doença. Mas quando se fala em trabalhadores, o gatilho pode ser uma tarefa desgastante, condições de trabalho ruins, cargas horárias excessivas, insegurança, relações de trabalho abusivas, pressão psicológica, ameaças de punição constantes, problemas com remuneração, conflitos éticos... são muitas possibilidades para cada pessoa.

Todas as pessoas, observa o professor, passam por dificuldades, frustrações, incertezas e situações irritantes ou desconfortáveis. São coisas com as quais ninguém quer lidar. Contudo, pessoas fisicamente e mentalmente sadias, lidam com tudo isso e seguem adiante. Quem já desenvolveu algum transtorno. pode não consegue mais lidar com nada disso. Os problemas se acumulam na pessoa de tal maneira que extrapolam a mente. Se manifestam fisicamente, levando a um quadro de permanente cansaço, desânimo, desespero, medo ou tensão.

"Há fatores individuais, microssociais e macrossociais. Vivemos num país em crise econômica, moral, profissional. O clima é de medo, preocupação e tensão constantes. Está difícil arranjar emprego e todos temem perder o trabalho que têm. Há um cenário de desestímulo, de desvalorização do trabalho. É como se o emprego não tivesse a ver com esforço, mas sim com sorte, aleatoriedade ou proximidade com alguém importante. E aí a pessoa se encontra num trabalho que não faz bem. Como suportar? É desesperador. É preciso buscar ajuda", conclui o psicólogo.

As rotinas de cada profissional e os riscos

Não é certeza de que todo profissional vai desenvolver essas doenças. São fatores de risco, nas rotinas, que costumam levar a transtornos da mente. O ideal é acompanhar sempre que algum sintoma ou desconforto comece a ser sentido.

Motoristas por aplicativos: como são trabalhadores informais autônomos, garantem o sustento com a própria produtividade. Se tornou opção para os mais de 13 milhões de desempregados do Brasil. Mas para ter renda que se assemelhe à de um trabalhador regular, é preciso cumprir muitas metas financeiras, planejar bastante, lidar com muitas pessoas em condições diferentes, sofrer com o estresse do trânsito e ser submetido a constantes avaliações. Podem sofrer com ansiedade, burnout e depressão.

Entregadores (por aplicativos ou não): necessidade de ser muito ágil em meios de transporte que, nem sempre, são os mais seguros de todos. Estresse do trânsito, responsabilidade com dinheiro e equipamentos para pagamento, além de serem submetidos a avaliações constantes. Costumam ter remuneração baixa para os riscos e estresses envolvidos nas tarefas. Podem sofrer com ansiedade e depressão.

Professores: muitas vezes mal remunerados para cargas horárias muito longas. Precisam de atualização profissional constante e costumam ter de trabalhar em casa. Costumam trabalhar em muitos locais diferentes e sofrer com deslocamentos e pressões por metas. Quando atuam na rede pública, lidam com a precariedade que prejudica todo o trabalho. Recentemente, vêm sofrendo pressões políticas e psicológicas. Ansiedade, depressão e burnout são riscos constantes.

Médicos: cargas horárias longas, necessidade de constante atualização, elevada responsabilidade com a saúde (ou mesmo vida) de muitas pessoas todos os dias, com condições de trabalho nem sempre favoráveis. Podem ter de lidar com muitas situações sensíveis, mortes e isso exige distanciamento profissional, que nem sempre é tão simples. Ansiedade e burnout costumam ser comuns nessa categoria.

Jornalistas: Necessidade de atualização constante de conhecimentos pessoais, acompanhamento do noticiário, trato com temas sensíveis, ameaças, cobranças constantes e necessidade de metas batidas. Alta rotatividade e poucas oportunidades de emprego. Necessidade de contato e conexão com pessoas, muitas vezes, de formas ininterruptas. Ansiedade e burnout costumam afetar muitos profissionais desse segmento.

Policiais: só por lidarem com a violência e estarem sujeitos a ferimentos ou morte, já se enquadram numa categoria que demanda muito cuidado com a saúde mental. O estresse acompanha baixas remunerações (em patentes menores), cargas horárias longas e tensão quase permanente, mesmo em momentos que deveriam ser de lazer. Essas condições podem levar a diversos transtornos, sem o devido acompanhamento.

Estudantes: ser estudante também é uma profissão. Afinal, é algo a que se necessita dedicar muito tempo, seja em horário de aula, seja fora dos ambientes de estudo. A pressão pelas avaliações e metas que podem definir todo o futuro da pessoa são fatores estressantes. Não atingir essas metas pode levar a quadro depressivos.

Operadores de telemarketing: precisam lidar com muitas pessoas todos os dias, quase sempre para assuntos sobre os quais essas pessoas não querem falar. Esses profissionais acabam sendo o canal de reclamações e extravasamento de raivas e indignações de consumidores. Trabalham por metas e costumam sofrer muitas cobranças. Precisam trabalhar sob muitos códigos de conduta e manuais de atendimento limitadores. Depressão e fobias sociais podem ser desenvolvidas.

Músicos: costumam ter baixa remuneração, sobretudo no começo das carreiras. Muitos nem sequer vivem da profissão, que demanda a combinação vários de fatores para conquistar sucesso, de modo que possam viver apenas da arte. Por outro lado, quem já está numa condição de sucesso, pode ser submetido a longas jornadas de trabalho, viagens e afastamento da família. Num extremo, há possibilidade de depressão. Noutro, burnout ou ansiedade.

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