Falando sobre cinema, tema da Redação pode ter sido surpresa inacessível para muitos candidatos

Cinema é uma forma de cultura e lazer que não está presente em 135 municípios paraenses

Victor Furtado
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O tema da Redação do Enem 2019 foi "Democratização do acesso ao cinema no Brasil". Para professores, a pauta é interessante, necessária, mas pode ter sido inacessível para muitos candidatos. Isso porque, em diversos municípios brasileiros, sequer há salas de cinema. Mesmo nos centros urbanos, onde há salas diversas, os preços afugentam o público.

Alexandre Donato, professor de Geografia do curso Physics, destaca que só 9 dos 144 municípios do Pará — Belém, Ananindeua, Castanhal, Marabá, Santarém, Paragominas, Xinguara, Tucuruí e Parauapebas — têm salas de cinema. "Não é um tema acessível se tem alunos que nunca foram a uma sala de cinema", pontua.

Já a professora de Redação Rosana Bastos, do curso que leva o nome dela, o tema foi surpreendente e trouxe uma discussão importante sobre cultura. E acredita que havia muitas possibilidades de abordagens, para todo tipo de repertório sociocultural. Mas isso vai dividir bem quais alunos foram bem preparados até para lidar com a falta de cinemas nas próprias realidades.

Um estudo da Motion Picture Association na América Latina (MPA-AL), com apoio do Sindicato da Indústria do Audiovisual (Sicav), em 2016, apontou que 46%da população brasileira não tem acesso a nenhum tipo de cinema. Em dados apresentados na prova deste domingo, 17% da população frequentava o cinema.

Rosana aponta que falar dessa demanda reprimida era uma abordagem possível. Obrigatoriamente, os termos "cinema", "democratização" e "acesso" deveriam constar nas redações. Os termos "cultura" e "lazer" dariam amplitude aos textos. Quem sequer tangenciou esses elementos, corre risco de ter fugido do tema e até zerado a prova.

Há uma preocupação de alguns professores, em nível nacional, com a possibilidade de que alguns candidatos, ao verem uma pessoa com cadeira de rodas na arte que ilustrava o tema, possam ter confundido democratização com acessibilidade. Não que não fosse uma abordagem importante para o desenvolvimento dos textos, mas não era a única.

"Os candidatos poderiam abordar o tema com Filosofia — citando Adorno e Hegel, por exemplo —, Sociologia, invisibilidade social (Zygmunt Bauman), A o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pobreza, desigualdade social, indiferença e papel do estado em oferecer e facilitar o acesso à cultura", diz a professora Rosana.

Raquel Soares, de 19 anos, achou o tema da redação "muito fora de contexto". "Muitos alunos devem ter se preparado para saúde, meio ambiente, reciclagem. Ninguém poderia prever algo como cinema. Não é algo que está em foco. Nos anos anteriores, sempre foram temas com o que estava ocorrendo na sociedade no momento", opinou.

"Achei um tema muito diferente dos anos passados, que focaram em problemas atuais da sociedade. Era difícil até pensar numa proposta de intervenção", comentou o estudante Edilson Souza, de 17 anos.

 

Especulação sobre interferência do governo se provou infundada

O professor de Geografia Alexandre Donato acredita que a prova manteve o padrão de qualidade do Enem E que diferente do que se pensou, não houve mudança de perfil. Contando com essa especulação de que determinados temas seriam suprimidos, pelas ideologias do atual governo, as questões acabaram tendo temas surpreendentes. Ele só sentiu falta de mais questões sobre grandes conflitos no mundo e análises sobre a União Europeia.

"Caiu impacto do agronegócio, trabalho análogo à escravidão, intervenção do estado, indústria, urbanização, perfis populacionais, globalização injusta e perversa, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Amazônia e clima, ocupação da Amazônia, migração... mas realmente não vi referências à ditadura militar e política brasileira. Do Chile, a única referência foi de 2016. E havia referências do geógrafo David Harvey, que é tido como um teórico esquerdista", analisou o professor.

Na parte de linguagem, Donato considera que a prova teve análises e interpretação de textos e artes bem acessíveis. De modo geral, a prova de Ciências Humanas costuma ser bem historiográfica. na avaliação dele, Filosofia e Sociologia pareceram mais ausentes, apesar de terem tido o mesmo número de questões do ano passado: 6 de Filosofia e 4 de Sociologia.

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