Esculturas de bronze furtadas em São Brás valiam R$1 milhão cada

Obras de arte roubadas nos últimos anos tinham assinaturas de artistas renomados e nunca foram recuperadas

Eduardo Laviano
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O sumiço de estátuas e esculturas que antes enobreciam logradouros públicos em Belém se tornou cada vez mais comum nos últimos anos.

A maioria delas são as peças esculpidas em bronze, alvos de furtos para que as peças sejam derretidas em sucatas e se tornem outros artigos.

Uma das obras era um busto do Barão do Rio Branco, que ficava ao lado da Paróquia da Santíssima Trindade, concebido pela escultora paraense Julieta de França - e única obra da artista na cidade à época. 

Julieta ingressou na Escola Nacional de Belas Artes mesmo que o ato fosse mal visto pela sociedade, apesar da proclamação da república ter trazido consigo a permissão para que mulheres ingressassem no ensino superior. 

Para Sebastião Godinho, membro da Comissão de Defesa do Patrimônio Histórico de Belém, trata-se de uma conterrânea de suma contribuição para o ambiente artístico no Pará. 

"Ela foi uma paraense que foi embora para São Paulo e faz parte de vários estudos sobre o século passado, pois ela foi fazer escultura quando isso ainda era quase proibido para as mulheres. Ela fazia aulas de modelo vivo. Um escândalo. Julieta desafiou os preceitos da época e é uma paraense ilustre, embora desconhecida", avalia Godinho.

Segundo Godinho, parte da memória da importância de Julieta foi perdida do imaginário popular de Belém junto com o roubo das estátuas, já que as peças foram irreversivelmente perdidas. De acordo com o inventário dele, 14 peças foram furtadas entre 2004 e 2020.

A lista é longa: há o sumiço do busto do Oswaldo Cruz, na praça Amazonas, em frente ao Polo Joalheiro. Também foi furtado na década passada um busto do professor Antônio Marçal, na praça da Bandeira, em frente ao Paes de Carvalho, onde ele foi professor.

Duas obras importantes do Bruno Giorgi, um paulista de origens italianas, também foram furtadas da Praça Floriano Peixoto, em São Brás. Trata-se de três imagens em uma obra só. Primeiro, foi roubada a cabeça de uma.

"Na época, a prefeitura de Duciomar Costa mandou retirar a peça e levou para o Museu de Arte de Belém e nunca voltou para o lugar. Seria restaurada. As outras duas, A República e As Artes, foram furtadas", lamenta Godinho, que também é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), ao recordar um levantamento do jornal O Estado de São Paulo, que estimou cada peça modernista em um milhão de reais cada.

image Obras em bronze são furtadas e derretidas em sucatas por dinheiro; violação do patrimônio da cidade é crime (Thiago Gomes/O Liberal)

Outras obras que não fazem mais parte da paisagem belenense são a cabeça de John F. Kennedy, o primeiro presidente católico dos Estados Unidos e que foi assassinado com um tiro na cabeça em Dallas, no dia 22 de novembro de 1963.

A obra era assinada pelo artista João Pinto e foi retirada, segundo Godinho, da praça Kennedy, que na primeira administração do atual prefeito Edmilson Rodrigues, iniciada em 1997, passou a se chamar praça Waldemar Henrique.

"Até hoje, não sei o que fizeram com a obra. A obra de arte não cor, religião, partido ou ideologia e sim deve ser preservada e exibida em nome do orgulho de ser concebida por um grande artista paraense", entende Sebastião, que também registrou os furtos de obras do italiano Humberto Cavina e do maranhense Newton Sá na cidade.

Antes da pandemia, o IHGP estava realizando visitas às autoridades, além de palestras para compartilhar os levantamentos do grupo em relação ao patrimônio da cidade.

O esforço do grupo chegou a recuperar "As Artes", de Bruno Giorgi, mas a peça já estava completamente cortada, com partes faltando. 

O delegado Waldir Freire é titular da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Ambiental (Demapa), para onde os casos relacionados aos danos contra o patrimônio histórico são encaminhados, afirma que o valor cultural e turístico das obras é inestimável.

"A subtração desse bem público tombado é crime, assim como pichar e vandalizar. A subtração por si só constitui furto, e pode ser tratada em delegacias comuns. Inutilizar ou deteriorar o patrimônio é passível de punição, podendo chegar a reclusão de 1 a 3 anos", afirma ele.

A Demapa realizou quatro diligências e inquéritos relacionados ao patrimônio histórico da cidade em 2020. Na opinião de Freire, há muito menos vigilância do que deveria.

Ele diz esperar que a administração municipal estimule campanhas de proteção para estimular a população a denunciar esses crimes, bem como a promoção de mais conhecimento sobre o valor das obras e a história dos artistas que a conceberam.

Em entrevista para a reportagem, o presidente da Fundação Cultural de Belém, Michel Pinho, disse que existe um trabalho da arquiteta Claudia Nascimento que catalogou todos os espaços de monumentalidade de Belém.

O trabalho conta com mais de 100 artigos e obras de artes listados e está se juntado ao catálogo que começou a ser organizado pela prefeitura, porém não deu detalhes sobre como o trabalho está sendo feito e se há algum projeto para resgatar a memória das obras furtadas e dos autores delas.

Também segundo Pinho, já há um diálogo da Fundação para garantir a segurança das peças por meio da Guarda Municipal. 

Sebastião Godinho acredita que o prejuízo para cidade se dá além do aspecto estético, pois os monumentos fazem parte da história dos paraenses e visitantes que apreciaram eles ao longo da vida.

"É o retrato da falta de interesse e sensibilidade pelas artes, pois algumas peças faziam parte do cotidiano belenense desde a década de 30. E nada é feito. Parece que é o roubo de uma planta. Imagine quantas famílias tiraram fotos do com essas obras e agora simplesmente elas não existem mais?", diz.

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