Campina: conheça a história do 'bairro do Comércio'

O bairro se expandiu logo depois da ocupação do primeiro bairro da cidade, no início da colonização

Victor Furtado

Depois da Cidade Velha — inicialmente chamada de bairro da Sé —, a próxima área de desenvolvimento da Belém primordial foi a Campina. E alguns aspectos icônicos podem ser vistos até hoje: casarões antigos, vias estreitas e com pavimentação em pedras. Ao passo que novas áreas habitacionais mais atraentes surgiam, como o bairro de Nazaré, a Campina foi ganhando um viés mais comercial, cultural e turístico. E se tornou, informalmente, o "Bairro do Comércio". Só que o nome continua sendo Campina. Para alguns historiadores, é um erro histórico.

O nome Campina vem da formação geográfica original. A área antes compreendia o igarapé do Piry, que tinha terreno alagado e quase sem árvores. Era até chamado de pântano. Para que a área se tornasse apta a construções, foi necessário fazer vários aterros até que o solo fosse firme. Essa é uma das explicações para os traçados tortuosos, irregulares e cheios de desníveis do bairro. Outra explicação era a praia da Campina, que existia no território que compreende o bairro.

As primeiras ocupações do bairro se dão a partir de 1626, um década após a fundação da cidade. O primeiro imóvel foi o convento da Ordem dos Capuchos de Santo Antônio. Os lotes serviam, principalmente, a religiosos e a colonos portugueses.

A primeira grande via de Belém foi no bairro da Campina: a atual avenida Presidente Vargas, o primeiro grande corredor da procissão principal do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Ganhou esse nome em homenagem ao presidente Getúlio Vargas, na década de 1950. Antes, se chamava avenida 15 de Agosto, como lembra o historiador Diego Pereira, coordenador do curso de História da Unama.

Na história de Belém, o bairro da Campina foi o palco principal da Cabanagem, a maior revolução popular e que culminou com o povo no poder, ainda que por pouco tempo. Muitos combates ocorreram ali. A igreja das Mercês, um dia, foi um depósito de pólvora e armamentos dos revolucionários cabanos. Em maio de 1836, a cidade foi sitiada, bombardeada e mais de 800 pessoas do movimento morreram.

A cidade e a economia foram devastadas. Só a partir do ciclo da borracha, entre 1860 e 1920, começou a Belle Époque. Eventualmente, com a ação do intendente Antônio Lemos e a fixação dele pela Europa, deu traços franceses de arquitetura e urbanismo ao bairro da Campina. Tanto que uma das lojas mais características do centro comercial é a Paris n'América. Era o retrato do sonho de Lemos para Belém. A Campina ganhou novos ares.

O Ver-o-Peso começou a se consolidar como complexo econômico. As praças da República e da Bandeira reformulavam as paisagens. O comércio avançou e evoluiu. O Theatro da Paz e o Cinema Olympia traziam sofisticação à cultura local. Bares, restaurantes e casas noturnas — algumas até hoje são dedicadas à atuação de profissionais do entretenimento sexo — davam conta de garantir a diversão dos comerciantes e viajantes que passavam pela cidade.

A partir daí, começou-se a criar a ideia de que o "Commércio" estava separado, como se fosse outro bairro, mas não. Mesmo assim, algumas placas indicativas de vias mostram, até hoje, o Comércio como um bairro. O termo, aponta Diego, se tornou de uso comum. Mas não é. É Campina, em todos os 95,8 hectares de extensão. Algumas pessoas até diziam, antigamente, que iriam "Lá Embaixo". Essa é uma expressão menos comum, mas se referia à área comercial da Campina.

Esse ciclo, como todo ciclo, um momento se encerrou e tudo começou a ficar apenas estável. Hoje em dia, o visual é de defasagem. Em 2011, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou toda a área para preservação, o que cessou a especulação imobiliária e gerou um cenário de abandono por desinteresse. Se tornou um dos bairros com menor densidade populacional, passando de 6,1 mil habitantes, pelo Censo de 2010. O historiador ressalta a mistura que o bairro reúne: chineses, portugueses, afrodescendentes, japoneses...

Atualmente, muito do que se vê na Campina, sobretudo na área comercial, são imóveis históricos em condições precárias. Alguns estão em ruínas. Outros, são usados de forma comercial, deixando a preservação da memória de Belém em segundo plano, mas ao menos cuidados de alguma jeito. Proprietários dos antigos casarões os abandonaram por não conseguirem promover as reformas e cuidados necessários, que são muito delicados, específicos e caros.

"A Presidente Vargas é um divisor. De um lado, se vê o perfil do comércio, mais tradicional, histórico. Do outro, a modernidade do período que inicia na década de 1940, experimentada a partir de uma série de prédios", destaca o professor. O perfil socioeconômico do bairro, praticamente, se divide pela mesma via. Há uma classe média-alta, elite e áreas mais simples. Há edifícios históricos, como Palácio dos Rádios, sede social da Assembleia Paraense, Manoel Pinto da Silva, a biblioteca do Grêmio Literário e Recreativo Português e o mais icônico hotel de Belém, antes Hilton e agora Princesa Louçã.

Pela formação original e atual tombamento, é difícil solucionar problemas não previstos para o futuro. O trânsito se tornou lento e faltam vagas para estacionar, logo numa área em que se concentram prédios dos poderes executivo, legislativo e judiciário e o centro comercial. Uma das atividades comerciais que mais descaracteriza imóveis históricos são estacionamentos.

"Infelizmente, as vias da Campina vivem um esquecimento. O bairro precisa de cuidado para se encaixar num projeto de Belém do futuro. E precisa ser pensado para as pessoas que lá vivem — comerciantes, moradores, pessoas em situação de rua — não só turistas. É preciso preservar a memória", conclui o historiador.

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